terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A construção do sonho



Para José Dirceu, herói do povo brasileiro








O homem nasce cheio de esperança
e sonha exatamente enquanto cresce
trabalha dia e noite e enfim percebe
que só sonhar não basta e então se cansa.

O homem que sozinho sonha, perde
Um tempo precioso e não avança
É como um dançarino que não dança
No baile da história que lhe esquece.

Pra construir um sonho não se dorme
pois acordado é que se vai a luta
sem medo do combate mais medonho.

Se o homem quer um mundo menos pobre
E o braço amigo acolhe, não refuta,
Para a realidade, traz o sonho.






quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Convite



Não durmamos
Não,
não nos deixemos inebriar pelo sono mau
Não
Abramos os olhos para a noite escura e tudo enxergaremos
Sim
Vamos, sem medo, sem pressa, ofuscarmo-nos com toda a possibilidade
                             de sermos felizes e despertos e atentos,
                                             pois a felicidade é, mesmo tristes, sabermos seus limites
seu alcance, seu fôlego e a dimensão de tudo isso.
Vem, eu te convido.

Há os felizes que dormem o sono dos mansos
e se embebedam com o vinho da auto-suficiência
escorregam feito caracóis, lentos e lúbricos, em torno de umbigos enormes.
Não os invejemos, mas lamentemos a formidável sorte
desses ébrios estúpidos que confundem felicidade com facilidade
e cegos seguem com sorrisos falsamente sinceros.

Acordemos todos e percebamos o quão tristes estamos
– não somos! -
Quando a felicidade que temos é apenas nossa
Quando o sorriso que trazemos não se expande e, murcho, amarela na raiz
Quando o que nos faz vibrar não tange aqueles corações que seguem mudos
Quando a brisa que nos bafeja não refresca o corpo irmão
Quando os anjos que nos cantam olvidaram outros espíritos
Quando somos sós e sós e sós e não partilhamos o raro instante
e nos deixamos tentar pela linha reta dessa vida tortuosa e vária.
somos tristes.

Não existe felicidade individual se estamos despertos
Mas tampouco é felicidade aquela que a noite do mal alimenta e entorpece
Vamos, não tema, vem depressa...corre!
Não durmamos, pois o carro da história não espera e nem ampara os que dormem
E não te quero ver sumir no horizonte
quando a felicidade apontar no sem-fim dos trilhos.






segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Porto













Marc Chagall, Over the town (1918)


Ancora o teu barco numa nuvem,
na mansidão do branco
flutuando no azul
que - enquanto sangras - 
a quilha parte quando singra
o mar de prata, que o luar costura.

Protege tuas asas
do trágico mergulho
no asfalto mais escuro.
Absorve o sol
e absolva-se!

O vôo é impreciso
e mais que necessá
Nuvens são portos pelo céu,
cais de neblina onde atracar
teu coração em meio às tempestades.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

A canção do santo












Ele diz que vai chegar ao céu
Custe o que custar
Não nasceu pra caminhar ao léu
Nem ao deus dará
Ele diz que vai se iluminar
Quando a luz se for
E medita pra purificar-se
Sem tirar nem por

Acredita que tem uma missão
A de abençoar
Todo ser vivente sobre o chão
Sob o sol, no ar
Faz jejum e autoflagelação
Diz que vai voar
Ele diz que vai chegar ao céu
Custe o que custar

Vai um dia unir-se a Deus
Ser um dos anjinhos seus
flutuando sob um céu lilás
Ele treina pra dedéu
Come gafanhoto e mel
Crê que o seu destino é o céu em paz

Ele quer ser santo a todo custo
Dizem que ele é louco
Anda pelas ruas do subúrbio
Da Gamboa ao Porto
Tão sozinho, segue esse caminho
Busca a redenção
Tão imune ao próximo, ao carinho

Ao afeto irmão

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Carta de intenção


quandeu crescer
vou ser rimbaud-menino-mau
de cueca suja e cara iluminada
dentes sujos da carne do poema
quem sabe fasciste e seja E.P.
escreva Cantos
prometo: pecarei na tua lápide
um pouco de Edgar, outro de Álvares
quandeu morrer, que seja leve
o anjo que virá chamar meu nome
na lista em sua palma desenhada
e que eu, ainda lúcido, questione
a cor das asas e da hora-madrugada.


sexta-feira, 17 de abril de 2015

Do amor e seu alimento





















Cansei de amar
de amar o próximo e o distante
Aprendi que o amor é um sacrifício dispensável
Muito mais que sacerdócio,
amar o amor é o tênue vício da esperança
do inalcançável instante de estar próximo
Cansei de estar
amando o ausente no presente
e assim, sempre distante,
o meu desejo inabalável
eternamente insaciável, insaciado.

Sim, são ridículas todas as cartas de amor
por que o amor, ele sim, ridículo,
estende-se em cada adjetivo
como uma víbora ao sol da linguagem
Desaparece na lassidão dos verbos
atado em cordas que não se rompem
como um Hamlet condenado a não agir
movido pela crença nos fantasmas
O amor é esse querer ser e nunca sendo
Segue sempre só querendo
E sendo amor, sendo ridículo,
Pura invenção.
Cansei, cansei
O amor que vá pastar noutro gramado
Meu coração é terra devastada.