Vejo os cães e seus donos pelas ruas,
babás
e bebês em carrinhos circulando,
as
folhas caindo suavemente das sibipirunas
e porteiros
dos prédios jogando criolina nos muros,
espantando
um casal que dormiu sob a marquise.
Senhorinhas
e senhorinhos desfilando seus cuidadores
Uma
prostituta chegou cansada, agora há pouco
e está
lamentando, ao celular, uma unha quebrada
Há
filas no Mundial, outras no Hortifruti
Há
filas para o coração das virgens inexistentes
O sol
aquecendo seus motores no centro do Sistema
inflama-se,
chama ardente no azul dos trópicos.
Na
areia, o dia caiu em bólida performance
Um
turista muito branco começa a avermelhar-se
e Copacabana
acorda no frêmito costumeiro de seu viço
Toda
puro engano, traição e falsidade
Toda
espelho do avesso e do inverso.
Mas
o que não vejo e só pressinto
- e por isso, tremo -
é
que dentro de toda luminosa paisagem
pulsa
a escuridão de um monstro adormecido
em
cada apartamento, no calor dos quartos e dos corredores
e
ele sairá às ruas, em breve, com senhorinhos e senhorinhas
com
babás e com porteiros, com putas e com sem-tetos
invadirá
as filas dos mercados e o coração das virgens
pedindo
a cabeça dos poetas que o observam e o denunciam
babando
sangue e mil certezas.
Depois de saciado, andará pelas ruas
como
os cães e os bebês
na inocência de quem chuta folhas secas pelo asfalto
de uma cidade sem poetas.