sábado, 1 de agosto de 2020

A moral cinzenta do fatalismo


Segundo Bosi, no seu referencial História concisa da literatura brasileira, a poesia de Raimundo Correia (1859 -1911) destila a moral cinzenta do fatalismo. Ao comentar, superficialmente, a poesia parnasiana desse “mestre seguro” , “menos fecundo e mais sensível” que os demais parnasianos, Bosi considera que seus versos são “exemplo de uma poesia de sombras e luares que inflectia amiúde em meditações desenganadas”. Na verdade, como muitos outros bons autores dessa nossa língua, Raimundo Correia é um ilustre desconhecido. Admirado por muitos escritores (Manuel Bandeira e Mário de Andrade são seus fãs de carteirinha), dentre os quais me incluo, é autor de um dos mais belos sonetos de nossa literatura, “As pombas”, sob o qual revolteia uma polêmica acerca de “inspiração” em outra obra. Não me interessa aqui discutir essa pendenga. Em 1979, ganhei um exemplar de “Poesias” (6ª.Edição, 1958), coletânea do autor que inclui poemas de três de suas obras, “Sinfonias” (1883), “Versos e versões” (1887) e “Aleluias” (1891). Em dedicatória, leio: “Ficou muito tempo numa anônima livraria e foi encontrado por acaso. Para o Leo, meu amigo paraibano e ‘parnasiano’. Norma”. Devo confessar que de parnasiano tenho apenas a paixão apolínea por um verso perfeito, como apreciador de poesia, não como poeta – que não tenho a paciência para limar versos, esmerilhar palavras, lapidar rimas.
Fiz um poema dedicado ao Raimundo Correia, mas antes registro aqui o maravilhoso poema III, conhecido como “As pombas”:

Vai-se a primeira pomba despertada
Vai-se outra mais... mais outra...enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sangüínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam.
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...

(Raimundo Correia)


Agora o do Leozinho:

Poema para Raimundo Correia


Sofra o coração, embora!
Sofra! Mas viva! Mas bata
Cheio, ao menos, da alegria
De viver, de viver!

Ah, Correia, meus pombos que não voltam
E por não voltarem eu que me acabo
E vou-me entre brumas de cigarros que não fumo
E com notáveis fumos de defuntos que evaporam

Ah, Correia, meu poeta dos pombais desertos
Eu com meus oníricos desenhos tediosos
Suspirando o tédio úmido dessa chuva que não cessa
E que por não cessar vai me afogando.

Ah, Correia, se soubesses o quanto dói não ter mais pombas
E assim, sem asa ou vôo, seguir telúrico
Chafurdando o que era sonho em lama e lodo e limo
Apoiado no pombal vazio desses anos
Agora, mais que nunca, só pombal, só pombal.