Uma palavrinha inicial: este é um poema escrito em janeiro de 1986, portanto, releve o idealismo exacerbado dos versos, sinal da juventude e ingenuidade do poeta. Publico-o porque, apesar dos desvios todos, é um poema que me diz muita coisa ainda.
Kandinski, The goldfish (1925)
Prefiro pescar a qualquer pescaria
Vamos pichar os muros do país
Love me baby, Love me
pintar as paredes das padarias
dos bares e dos açougues
dos palácios dos governos
vamos beber a seca dos momentos
e ganir nossos orgasmos no
asfalto
vamos cavalgar os meios-fios do
planeta
berrar nossa besteira sagrada nos
bueiros
vamos caminhar eretos nos
desfiles
com a roupa mais rasgada e velha
e triste
trilhar todos os bares, levantar
todos os bêbados
embebedarmo-nos de todos os
desejos
vamos transitar por várias
línguas
cheirar todos os cheiros e
resinas
compor velhos sonetos portugueses
beijar algumas virgens escondidas
vamos estudar os siameses
dizendo a todo instante dos
reveses
que a vida nos prepara e nos
concede
Vamos correr os pastos do país
Beijar todas as vacas do planeta
E nos alimentar em quentes tetas.
Baby, vamos dar todas as dicas
você e eu e o mundo à nossas
vistas
vestidos de verão e de umidade
Não me deixe, vem, temos história
Vamos nos guiar pela retórica
Do vento que nos chega do Oriente?
Não, não vamos nos guiar por
coisa alguma
Por cercas, por faróis nem por
anúncios
Não vamos abordar ideologia
que é coisa perigosa e que vicia.
Inda resta muito pouco tempo
Vem meu bem, deseje-me a contento
O mundo é belo palco de tragédias
Comédia, o mundo é pleno de
paródias
a fome é o tal motor da
estratégia
de nossos pelotões de caras
sérias
Ah, milenar exército nu, em pêlo
e em glória!
Eles não vão prender nossos
cabelos
nem fustigar os nossos desacertos
Vamos brilhar nas telas de TVs
em close nossos risos visionários
artistas de uma aldeia que se vê
morrendo e rindo, cheia de
esperança,
feito um bando bonito de otários.
Vamos pichar muros e planícies
Que o nosso amor aflora à
superfície
E queima e queima e queima com
vontade
Vamos meu amor falar de amor
Por toda e passageira eternidade.
13.01.86