Ah, Higienópolis
dos fulcrais desejos brancos
Eugeniópolis
cruel e amoral destes trópicos
De
longe observas o exército subumano
Que te
cerca à mesa dos bares
Nos
sinais de trânsito
Nas portas
dos restaurantes.
Devo
dizer a eles o que já sabem?
Ninguém
te quer por aqui, ó bestial
criatura
antropomórfica
excremento vivo, indesejado
excremento vivo, indesejado
Esconde,
pois, teus beiços caídos
e tuas
ventas escorrendo
e parte
para os infernos que
te cativam, que te alimentam
Sai, some, seca.
Vai vagar pelas ruas, sob a noite
Onde
o repouso e a mansidão?
- avara
sina, amara via, tua escolha –
A cidade
não quer teu conforto
ela expele
os teus desejos
Nos esgotos,
nas vielas
Tu,
um trapo, treco, troço, trash
lixo
que se esconde nos escuros
no acre
ácido azedume da sarjeta
Tua carne
parca e podre de espantalho
-
flesh-trash, resto, restolho
Entulho,
detrito, dejeto -
e teus
poucos dentes negros
Rebotalho,
esparge o fétido hálito
de tuas
entranhas
teu útero,
antro; teu abraço, armadilha
O chão
frio, teu pouso e morada
A chuva
e o sol, teu cobertor
de papelão
e jornal que nem lês
Tuas
vestes imundas, zumbi real
Teus
dedos queimados, olhar vermelho
A fome
que não sentes, mas que te devora
E Eugeniópolis anseia teu extermínio
Tua imolação,
tua internação
Tua cura
ou tua desgraça
Onde
o repouso e a mansidão?
O Valongo
sob o minhocão no centro
da metrópole
que o devora
devagar,
lentamente, crudelissimamente
A nau
que os arrasta pelas noites
em bandos
de desesperados
Não te
querem assim, ninguém
te quer
por aqui, todos
te querem
no olvido, no rabecão
num saco
preto de lixo, corpo frio
olhar
congelado
Jogado
na stultifera navis dos desvalidos
Rio acima,
distante, empacotado
Miúdo,
carcomido, rastejando
Enquanto
tu, bestial criatura
que
andas com os pombos e piolhos
quase
como rato sem cauda
Os pés
encardidos, as unhas compridas
Sonhas. Por que sonhas?
Por que
é só o que te resta
Sonhar
o afeto, talvez?
O abraço
de alguém?
Enrodilhado
em si, feito um feto
na calçada
Só querias
um ninho onde pudesses dormir
Mergulhar
no esquecimento
Um ninho,
um ninho.