terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A velha senhora

                para a poesia de Devair Fiorotti

Um poeta vê a morte como casa
nada dentro
Sem porta e sem janela
Absolutamente nada.

Talvez seja a morte a própria casa
E dentro dela, o nada que é tudo,
Casulo, última morada
dos rebentos numa casa sem janela
sem porta, sem teto
só dentro, dentro nada.

Só mesmo a poesia para beijar a morte
e fugir de sua língua enregelada
de suas mãos, tesouras cegas,
da carícia fatal que traz o nada
e que é o fim de tudo.


segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Falando de amor




Meu primeiro amor morreu
Foi-se
Foram-se o segundo, o terceiro
Desapareceu o quarto
Perdi o quinto, o sexto, o sétimo
Nenhuma notícia do oitavo, do nono
São vários os amores que perdemos
Todos eles, um dia, se vão
Como chuva e trovão
Inevitavelmente
Sua umidade permanece por um tempo
mas também se vai, aos poucos, sumindo de mim
Que fico seco e sem marcas.
O amor foi feito para ser como a chuva
Para umidecer a terra seca do coração
Daí por que vem e vai
Em temporadas de estio e inverno


O amor é o Nilo de nosso íntimo Egito
É preciso parcimônia, mesmo que se nos devore,
Para que também não se afogue o peito
E não nos tornemos inundação.
O amor deve ser como o trovão
Ensurdecendo a alma cega pelo relâmpago
que Ilumina o caminho do amante
e também sumindo, breve, fugaz
deixa aquele gostinho de fogo
aquele lampejo, arrepio
na língua eternamente carente da alma que ama.


segunda-feira, 4 de julho de 2016

Eppur si muove












Mesmo sem você, brilhará o sol
E se eu te perder de vez, brilhará o sol
Mesmo que a maré despeje peixes mortos pela praia
E que a floresta torne-se um deserto imenso e os rios sequem,
brilhará o sol

Mesmo em meio a dor, brilhará o sol
E no fim de todo amor, brilhará o sol.
Mesmo que eu me rasgue todo em desespero, nu em pelo
Mesmo sob a noite do maior dos pesadelos,
brilhará o sol

Que vã pretensão
De ser mais que o chão
De ser mais que lama e lodo e limo e lixo
Toda imensidão
Do meu coração
Perde-se nas chamas do desejo infindo.

Para os que sofrem, brilhará o sol
Para os que gozam, brilhará o sol
Para os que se explodem numa rua suja de Bagdá,
Pros excomungados, para os santos sem pecados,
brilhará o sol

Se tudo acabar, brilhará o sol
E nada sobrar de nós, brilhará o sol
Mesmo sob toda escuridão e além do breu,
Mesmo que o planeta exploda com você e eu, brilhará o sol.