sexta-feira, 17 de agosto de 2018

O olho do boi











Ela quer que eu fale de flores
de rosas, crisântemos, talvez lírios
- não são lindas? –
Ela quer, ela quer, meu deus, ela quer
porém não sei uma pétala sequer
de lírios, rosas ou crisântemos.
Então ela insiste que eu cante uma balada,
uma canção de Cat Stevens, um blues
- Sua voz é tão linda quando canta Where do the children play?
Pode ser? –
Ela quer, ela quer, meu bom deus, ela quer
mas meu violão desafinou na eternidade quando,
em alguma dobra, enforquei-me em suas cordas de aço
e meus dedos,sangrando, perderam-se nos trastes
Digo a ela que não rola: - Fica tristinha, não!
Prefiro em silêncio observar as mãos que ela exibe enquanto fala
e que ficam borboletando sobre o meu desejo
em seu casulo prestes a romper-se.
Ela dorme o sono manso dos que acreditam
que tudo é para sempre, que todos são felizes
mas há tempos algo me impede de sorrir
Enquanto ela me arrasta para a luz
eu só penso na lágrima do boi antes do abate
enquanto ela me convida para dançar na luz
eu sinto a dor do boi antes do abate
e quando ela me abre os olhos para a luz
me vejo no lugar do boi e do abatedor
e tudo é tão escuro,tão escuro
que dá medo.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

De escritores e seus livros















Ei-lo, com seu livrilho,
desfila a face orgulhosa pelo Face
sorrindo para a lente digital de um celular:
Pose ensaiada na falsa cara séria de escritor que lambe a cria
e carrega nos olhos a esperança de prêmios e da conquista
do amor das mulheres ou dos homens
- como dizia Sigmund entre baforadas.
Será sempre assim
num país onde não se lê:
Suas obras expostas no Instagram, no Whatsapp,
regurgitam, em pigmento e gramatura, a sua fé
a mais rasteira, a mais chã, a mais profunda crença dessas criaturas de Carbono e amoníaco:
a aposta na sobrevida, apesar das garras do espetáculo
cravadas em seu pomo de Adão, sufocando o grito e o gozo demoníaco
da sombra que assombra a vaidade.
Este é um mundinho besta, né, Carlos?