quarta-feira, 30 de abril de 2014

Outra canção de amor













Siron Franco "O Aliado" (1978)



Eu sou o que te aquece quando tremes
que sopra ao teu ouvido quando choras
aquele que por ti não foge ou teme
aquele por quem vibras, quem adoras.

Eu sou a espuma, a pluma, a lã, a seda
que trilham tua pele e teus sentidos
eu sou o espinho, o falo, o prego, a pedra
que extraem da tua carne os teus gemidos.

Amor. Esse é meu nome, assim me chamas
nas noites em que gozas, em que inflamas
nossos momentos mais que verdadeiros.

Eu sou o amor que anseias, por quem clamas
eu sou o que te apraz, eu sou quem amas
não queira ver quem sou, saber-me inteiro.





terça-feira, 29 de abril de 2014

Balada para o suicida de Copacabana
















Fotos de João Gabriel Almeida



Deve ser assim:
quando se salta do décimo segundo andar
não se enxerga o sol
o mundo é negro como o asfalto
que acolhe num violento abraço
aconchego, remanso
a rigidez do meio-fio
a sujeira da calçada em obras
um dente ensaguentado na sarjeta






















Um céu sem nuvens, azul, despido,
o sol brilhando nas peles oleosas de Copacabana
e Nossa Senhora recolhendo os pedaços
do suicida em sua avenida
Alguns velhos anseiam o sol
por um pouco mais de vida
Deve mesmo ser assim:
Quando se salta do décimo segundo andar
não há outro anseio
que não o brilho da escuridão.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

sábado, 26 de abril de 2014

SEXTINA - Andei aprisionado no meu corpo

Uma pequena introdução ao poema. A Sextina é uma composição poética de forma FIxa, cuja invenção se atribui ao trovador provençal Arnault Daniel (xec. XII). É uma forma muito rara de poesia, tendo sido explorada por Camões, Diogo Bernardes, Goulart de Andrade. Devido a complexidade de sua estrutura e a rigidez absoluta de sua forma, a sextina é muito pouco utilizada como matéria de poesia e, por essa razão, um "bicho" em extinção. No geral compõe-se de uma sextilha de proposição, cinco sextilhas de desenvolvimento do tema e um terceto de remate. O que complica é o esquema dos versos que obrigatoriamente alternam as palavras finais em cada sextilha. No caso dessa minha sextina as palavras-chave são Corpo, Vida, Morte, Dia, Choro e Fria. Observem como vão se alternando em cada estrofe e como se juntam no terceto final. Um bom exercício para o cérebro.




Andei aprisionado no meu corpo
Curvado e triste e só, mascando a vida
Não via então que a vida assim é morte
Como se houvesse escuridão no dia
Eu, que em nada cria, hoje não choro
Nem temo a mão da noite, a morte fria.

No espelho eu não percebo a face fria
Que olha com desprezo o velho corpo
Pressinto dois em mim, por isso choro
Há um que encarna a morte, outro que é vida
Aquele é medo e noite, e este é dia
Do espelho, quem me fita é a morte

Não sei jogar xadrez, que venha a morte
E toque em minha face com a mão fria
Que venha armada em rósea luz do dia
Que hei de estar atento ao corpo a corpo
Que travaremos: ela, morte; eu, vida.
Aqui: não temo, não tremo, nem choro.

Por mim, que me perdi, é por quem choro
E não pela iminência da morte
Que é tão inevitável quanto a vida
Há sempre o sangue quente na mão fria
Existe alma fria em quente corpo
e a noite ainda persiste pelo dia

Estrelas se ocultam quando é dia
E o eu que ri é o mesmo quando choro
Este que vos escreve é alma e é corpo
E quando vos escreve enfrenta a morte
Pois quando lhe cobrir a laje fria
Nos versos declamados terá vida

Se para tanta arte é curta a vida
E para tanta dor é longo o dia
Eu devo almejar a boca fria
da má sorte? Beijando-a quando choro?
Pousá-la em minha cama, amante morte,
E nela repousar meu velho corpo?

Preso num corpo que rejeita a vida
cultiva a morte nas dobras do dia
Por isso choro essa lágrima fria




quinta-feira, 24 de abril de 2014

Fim


        










  Para Pedro Nava




Quero morrer num banco de praça
Sob enormes árvores, muita sombra
E um vento úmido envolvendo meu corpo frio.
Ser encontrado assim, cabeça pendendo
No banco da praça, num parque
no vazio de uma tarde de outono
com folhas secas voando a minha volta
como pequenos pássaros esquálidos
e o canto de cigarras amarrando pégasos
borboletas azuis carregando raios de sol
Não serei nada além do estranho corpo
olhos semi-cerrados
um leve riso nos lábios
descansando, finalmente, dessa chatice
Que é viver uma vida alheia
Uma longa vida alheia
E agora, o fim no banco de uma praça,
Como Nava, como um nada,
Livre de todos os desejos
E todas as frustrações
Descrente de todos os milagres.


quarta-feira, 23 de abril de 2014

Canção de amor amigo
















A minha seta funda o teu desejo
quando penetra em gozo os teus domínios
aposso-me como se apossa o vinho
de Agave e suas irmãs em seus folguedos.

Eu sou o portador da chama eterna
que queima sem queimar deixando marcas
profundas, que latejam como farpas
que dor, prazer, temor, terror, carregam.

Eu sou o que preenche esse vazio
que a tua alma sente. E pro fastio
do corpo que ela habita sou comida.

Diria mais: sou teu maior banquete
tu és minha amazona, eu teu ginete
e a minha seta funda a tua vida.



segunda-feira, 21 de abril de 2014

Sutra do renascido





   


             Para Antonioni



Não quero o cosmos!
O que está diante de meus olhos
e o que sinto aqui, por trás deles,
rejeito-os!
O que vejo e sinto:
nunca os quis e não os quero.
Mesmo com dor e em doce luto
que venham abaixo a casa
a cerca, o muro, o varal com as roupas limpas
a estrada, a linha, o marco
a bitola da linha férrea, os caminhos
as quilhas, as calhas, a proteção dos rufos
ah, que se rompa a claustrofobia das margens
e que tudo sucumba ao meu desejo:
Não quero o cosmos!














Estraçalharei a camisa de força
e os arreios, os freios, as cintas, os laços.
Algo explode em mim
- mesmo que fora -
quando vejo o mundo
- De dentro -
explodir agora
- por fora de mim.

Sou eu em estilhaços
em cacos, em pedaços
Eu no lixo, entulho, resto
No ar, no fogo, sem lugar
Dejeto.
Sem rastro, sem rosto
Eu quero o caos!
A esperança do caos!
A liberdade do caos!
A possibilidade total
de só ser.
Sem trilha ou cais
Sem nome, linguagem
Conceito ou dicionário
Lousa limpa, tabula rasa
O giz e o grafite em minha mão
Ingênua e ignorante
Mão de renascido
Da criança pura que me tornarei.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Dias e noites



Sempre
sob a concreta escuridão
desenreda-se, fio por fio, a teia
tecida por galos,
a manhã
oculta no novelo da tarde
é destecida, fibra por fibra,
desenrola-se, dissolve-se.


Agora,
pelas mãos escuras do abismo
deita-se uma manta negra sobre a pele da cidade
cobrindo campos, lagos, homens
A noite - seiva escura -
escorre devagar e silenciosamente
pelos nossos olhos insones
pelos galhos e galos nos poleiros
pronta ao sacrifício do primeiro raio
da teia da manhã.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Pas de deux



       








       Para Pina B.


Vou embora voando
na gravidade da síntese
na plasticidade da água
no deslizar do verbo na língua
na sua morte na boca
à míngua.
Vou silêncio.

Vou embora na pauta
no pentagrama melancólico
de breves e longas
na esperança das putas
Vou música, choro, vou valsa
Vou harmônico e melódico
Desaguar nos sentidos e na emoção
Vou dança.

Vou embora assobiando
uma canção abandonada
na mudez dos meus pares
no suor dos meus poros
na surdez dos meus lares
na nudez dos pesares

vôo...

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Eros e Psiquê

Canção de amigo




















O que amo em ti não vejo, sinto e choro
o amor é sempre assim: prazer e dor ?
Quisera não amar, fingir o amor
e assim fingindo a dor, fingir o adoro.

E o gozo então seria nau sem mastro
ou mastro nu sem velas; ou mesmo a vela
sem vento; ou imbatível caravela
sem rumo, mar, sem porto, rio ou lago.

Se quero ver-te, quero o que não vejo
aquela chama leve sob a carne
do herói de mil batalhas que invade

a minha cidadela sitiada
deitando ao chão a frágil e vã muralha
que ergo apenas para que ataques.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Elegia a Narciso


 
















Meu coração é o despertar de ventos
um turbilhão de feras em conflito
a escuridão cruel de um precipício
um deus que estraçalha os seus rebentos.

Meu coração pagão tem seus momentos
de libações, de preces, sacrifícios.

Meu coração, que acalmas com teus beijos,
em tua ausência é terra devastada
às vezes, quando voltas, água calma
e quando partes, vagas, pesadelos.

Meu coração carrega em si desejos
de ver-te em mim e em ti a tua amada.

Eu busco ver em ti o meu semblante
já que o que vejo em mim é o teu sorriso
tu és o meu espelho, eu teu Narciso
tu és a virgem trilha, eu viajante.

Eu busco ver em ti o meu sorriso
já que o que vejo em mim é o teu semblante.