segunda-feira, 21 de abril de 2014

Sutra do renascido





   


             Para Antonioni



Não quero o cosmos!
O que está diante de meus olhos
e o que sinto aqui, por trás deles,
rejeito-os!
O que vejo e sinto:
nunca os quis e não os quero.
Mesmo com dor e em doce luto
que venham abaixo a casa
a cerca, o muro, o varal com as roupas limpas
a estrada, a linha, o marco
a bitola da linha férrea, os caminhos
as quilhas, as calhas, a proteção dos rufos
ah, que se rompa a claustrofobia das margens
e que tudo sucumba ao meu desejo:
Não quero o cosmos!














Estraçalharei a camisa de força
e os arreios, os freios, as cintas, os laços.
Algo explode em mim
- mesmo que fora -
quando vejo o mundo
- De dentro -
explodir agora
- por fora de mim.

Sou eu em estilhaços
em cacos, em pedaços
Eu no lixo, entulho, resto
No ar, no fogo, sem lugar
Dejeto.
Sem rastro, sem rosto
Eu quero o caos!
A esperança do caos!
A liberdade do caos!
A possibilidade total
de só ser.
Sem trilha ou cais
Sem nome, linguagem
Conceito ou dicionário
Lousa limpa, tabula rasa
O giz e o grafite em minha mão
Ingênua e ignorante
Mão de renascido
Da criança pura que me tornarei.

Um comentário:

  1. a "imorrível" verve iconoclasta do Poeta, que diz - basta! A liberdade do caos... só ser! Bravo!

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