quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Tabu

  




A embriaguez de Noé, Michelangelo, Capela Sistina


Matei meu pai a dentadas
comi-o, provei da raiz de minha árvore
sepultei-o, sob obturações gastas, em minh’alma cariada
mato-o a cada parco e porco dia que perco
conspurco-o para sobreviver e ser
silencio sua boca, escuto seus gritos
mordo sua língua, saboreio seu desejo
selo seus ouvidos e arranco seus olhos
para enxergar melhor
cumpro o meu papel de caminhante
traço o meu caminho em seu cadáver
estendido no varal que armo em meu quintal
quem de vocês não trás às costas esse morto-vivo?
quem, de nós que nunca nos saberemos, 
não exerceu o ofício de coveiro e de obstetra a cada manhã?
sinto sua crença em minha descrença
sua coragem em meu medo
e seu pavor nos meus passos.



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