segunda-feira, 18 de maio de 2020

Noite muda






















Era noite, eu lembro bem.
Pássaros caíam, estrebuchando,
grilos em silêncio absoluto
Era uma noite muda.
Estrelas piscavam em morse
nas poças escuras do chão estrelado e frio
que pisávamos com medo
e nada entendíamos.

Nas paredes, impregnando-as,
as dores da família, seus rancores,
desejos, dissabores, vícios;
cada tijolo encharcado de mágoa,
inveja e vontades sem potência;
o rejunte tingido de lodo e limo
e sonhos não vingados, sonhos-fungo;
rachaduras prenhes de saudades
e insuspeitadas possibilidades.

A casa, às escuras, flutuava no vazio dos olhos
pousados, como andorinhas úmidas,
num horizonte que se afastava lentamente
sob o negrume daquela noite triste
arrastando, em silêncio, os pássaros mortos pelo chão.



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