domingo, 16 de dezembro de 2018

A luz que não nos ilumina











Nu, LAF, 2018



para M.

Ah, se a luz rasgasse a escuridão
e iluminasse cada canto, antro, cova
cada cave, greta e grota
toda senda, fenda e fresta
toda escura e funda voçoroca

Ah, se a luz entrasse sem pedir licença
em todos os buracos e becos
sótãos, porões e quartos
nos quintos dos infernos de nós mesmos.
Mas não...

A luz só quer brilhar na superfície
onde existem máscaras, dentes brancos
sorrisos botulínicos e mãozinhas de seda
beijinhos intocáveis, olhares ensaiados
versinhos bem rimados, inofensivos

A luz só quer luzir onde não importa
onde ninguém arrota, peida ou palita os dentes
e todos estamos bem alimentados
papai, mamãe, filhinho na missa e no culto
sob a luz mais brilhante e fria
onde pulsam as terríveis pulsões
que se escondem na escuridão
dos cantos, antros, covas, caves, gretas, grotas
sendas, fendas, frestas,
fundas voçorocas
buracos e becos, sótãos, porões e quartos
e quintos dos infernos de nós mesmos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário