A invenção de deus
E numa noite tremenda,
provavelmente com raios e
trovões,
- talvez nem fosse noite
nem trovões ou raios houvesse -
inventou-se um deus para consolo.
e, por que certamente fazia frio,
criou-se um deus para conforto,
e, por que se tinha muito medo,
trouxeram um deus para esperança
e,
por que havia muito ódio,
sacramentaram um deus para a
barbárie.
mas eram todos eles o mesmo deus
aquele inventado num noite
tremenda.
logo explicou-se tudo,
justificou-se tudo
condenou-se toda a raça à danação
sobre a terra
e os cordeiros ficaram mansos
apascentados pela grande
invenção.
em seu nome ou sob suas ordens
assassinatos tornaram-se justos,
guerras santas, fuzilamentos da
lei
apedrejamentos da ordem do
sagrado.
sacrifícios em nome de um deus
que,
em sua enorme sabedoria,
está com os vencedores. Sempre!
por isso, toda religião é praga,
é peste, prego, prato feito para
fome antiga
defeito moral, desastre do
humano,
fim da liberdade, cadeia e cruz
muleta metafísica para espíritos
aleijados
emplastro para almas doentes
e toda crença é deformidade da
razão
patologia etérea, metástase da
ignorância.
numa noite enorme de raios e
trovões
- que bem podia ser dia, sem
raios ou trovões -
inventou-se um deus para o
castigo
e, por achar-se pouca a dor, para
a brutalidade
e logo marcaram a carne
com o ferrão da ordem divina
para regozijo do espírito
e o que era humano, tornou-se
bestial
com anjos subindo e descendo
com suas asas e cascos fendidos
usando nossas vértebras como
escada
e a partir desse remoto instante
cobriram-se de escuridão nossos
olhos crédulos
e dentro de nós desabou uma noite
tremenda
noite eterna e sem salvação
com relâmpagos e trovões que
explodiram doridos,
inclementes.
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