terça-feira, 10 de junho de 2014

As Greias de Campina Grande

















Vamos devorar as ceguinhas de Campina Grande?
Beber sua bile, comer seu fígado
com nossos dentinhos brancos, sem cárie?
Vamos?
Mastigar as retinas das ceguinhas de Campina Grande?
Morder seu baço, lamber seu buço
e dar um naco pros nossos filhos com seus aparelhos coloridos e dentes perfeitos?
Vamos?
Digerir a voz desafinada das ceguinhas de Campina Grande
num palco em Salvador, São Paulo, Rio
sentados, de buchos cheios, melhores livros, roupas, vinhos e comidas no rabo?
Atirar no mar
Dar uma tapa em Maria, Poroca e Indaiá 
Vamos dar uma esmola pras ceguinhas de Campina Grande?
Jogar moedinhas pros meninos que tapam buracos nas estradas no interior da Bahia?
pros zumbis do crack na rodoviária de Brasília?
E nós no Land Rover, usado e pago a prestações...
Vamos?
Vamos fotografar as ceguinhas de Campina Grande para um pôster gigante?
emoldurá-lo e pendura-lo na sala de casa
A miséria fica linda na parede, vira arte nos museus
um Portinari e seus retirantes
as três ceguinhas de Campina Grande
nossa alma.
Vamos?
E depois dormiremos em paz, consciência leve
a caminho do céu dos burgueses filhos da puta que somos nós
com nossas máscaras, com nossas neuras, nossos desmantelos
Quero adorar as ceguinhas de Campina Grande
roubar seu olho e seu dente, afiar sua tesoura
comprar seu filme, seu disco, seu livro, seu copo descartável
como a descartabilidade de todas as ceguinhas devoradas
Eu escuto, eu vejo, eu falo

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