segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Dos provérbios da carne

O Desejo (Dos provérbios da carne)

                                                                          Picasso


O desejo é algo assim como as saúvas
que vêm numa marcha sempre certa
pelo jardim antes tranqüilo
marchando,
marcando o tempo
sob uma noite escura e sem testemunhas
num tiquetaquear de minúsculas patas
barulhentas, decididas.
O desejo é algo assim como as saúvas
que, famintas, sempre vêm
e passam, como a morte, uma-a-uma
e sobem o tronco estático, uma-a-uma
e cortam suas folhas, sem perdão, uma-a-uma
e vão-se, enfim, uma-a-uma
a outros verdes troncos,
torná-los nada e nulos
corroendo, corroendo, corroendo
e eu, torto tronco triste
olho para os meus galhos nus, desesperado,
e lembro, uma a uma, as dores do corte das saúvas
e perco, pelos dias, um a um, os meus pedaços.


Nos dentes: https://soundcloud.com/l-o-almeida/o-desejo-dos-proverbios-da




Um comentário:

  1. Bonito, Leo, muito bonito. Saúvas não erram a pontaria... e são insaciáveis.

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