domingo, 12 de janeiro de 2014

Prece



Um dia que Deus estava a dormir
e o Espírito Santo andava a voar,
ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
                                            Alberto Caieiro


Não creio em milagres, declaro
mas gostaria tanto que houvesse
um, dois, três milagrezinhos que fossem...
se Deus existir, meu benzinho,
que ele tenha olhos enormes como os do lobo mau
olhos atentos, olhos de deus que enxerga
para ver tua beleza,  a tua graça
e, principalmente, todas as desgraças do mundo
se ele realmente for real, mais que um milagre,
que tenha grandes orelhas de abano
como de um elefante cósmico
e ouvido perfeito para abraçar o teu sorriso, teu gozo
e entender as  minhas preces por tua saúde
pelo teu bem, por tua paz
tímpanos epifânicos para escutar o choro dos milhões de miseráveis
os gritos de pavor dos desvalidos
o gemidinho triste de um bichinho que morre
um bicho em extinção.
se ele estiver presente, here and now,
que esteja ouvindo meus versos
com suas orelhas enormes de ganesha galático
e que, decididamente, não se faça de surdo.
ah, se Deus é mesmo concreto, meu bem,
se é palpável e benevolente como desejo
que ele realmente seja por nós
que somos do bem, do bom, da paz
do lado benéfico da luz
e que fique mesmo ao nosso lado
não corra da raia, não fuja para o mistério,
nos protegendo da escuridão
do aniquilamento
nos confortando com gosto e com vontade
sem fazer cara feia, nem cobrar dízimo.
se há um ser supremo e eterno
como garantem todas as escrituras
e berram todos os pastores da terra
que ele tenha olhos gigantes de predador atento
e uma boca enorme cheia de dentes afiados
emoldurada por lábios doces pra beijar a Terra
e uma  língua graciosa para lamber os corações gelados
como picolés carentes do paladar de um Deus
uma bocarra formidável para soprar com hálito quente as almas frias
e triturar em seus molares as armas de guerra
os corpos de guerra
as mentes de guerra
uma boca gigante de Deus da ira
para vomitar seu desprezo nos templos
nas igrejas, seminários, na esplanada
nas passeatas da noite escura em pleno dia.
se existe mesmo esse Deus de maravilhas
que ele tenha um cu sem tamanho
um cu universal, católico e protestante,
para despejar fezes de um deus da vingança
sobre os pastores da noite
os vendilhões da esperança.

ah, meu benzinho, que ele tenha enormes pés de Deus
com calos de Deus, chulé de Deus
para pisar sobre os hipócritas e sua hermenêutica doente
se Deus existir, meu amor
que ele me perdoe por te amar demais
e por querer o mal daqueles que promovem o mal.
que ele toque meu dedo com seu dedo de Deus bom e generoso

e me apresente todos os milagres.


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