Siron Franco, O Aliado, 1978
Deve haver alguém pensando em mim
neste momento
- mesmo sem me saber
esse alguém me ama e me deseja
agora, neste exato momento -
um amor invisível.
um amor invisível.
Um amor que suponho e me supõe
talvez num café, fumando um
cigarro,
numa varanda, molhando uma orquídea
púrpura
num gramado, brincando com um cão tão vira-lata quanto meu coração
quem sabe num cinema ou num vagão
de metrô
talvez em casa, sozinho,
pensando em mim sem me saber, mas me pressentir
olhar perdido na vidraça que o
protege da chuva que cai
- estará chovendo em meu amor? -
será noite? manhã com ventos? tarde
de sol?
Em que madrugada está o meu amor
neste momento?
Sei que pensa em mim e me
desenha,
me projeta, me pressente, me
introjeta
sim, ele existe e me deseja,
neste exato momento em que sou
rascunho
esboço frágil de seu desejo
esboço frágil de seu desejo
- e nem me vê ou viu! -
deve haver um amor para mim
talvez num mercado, numa livraria
folheando Shakespeare
numa casa iluminada de um bairro
simples
ou na escuridão silente de um quarto
ou na escuridão silente de um quarto
quem sabe na poltrona de um avião
no banco de um carro, com os
filhos, em silêncio
pensando em mim enquanto espera o
sinal abrir
um amor que me sente e sabe
também que eu existo
exatamente como sei que ele
existe
e o sinto em algum lugar do mundo
talvez bebendo vinho tinto e seco
ou um suco de mangaba natural
sujando o copo com o seu batom
vermelho
roendo as unhas, limpando as mãos
num avental
ou mordendo o lábio, enquanto me
adivinha
e me anseia, eu sei, eu sinto que esse amor me devora.
Ah, doce deus dos solitários
deve haver esse alguém que me
espera
e me procura
como eu
o espero e o procuro
e a grande tragédia disso tudo é
que nada
- absolutamente nada -
garante que nos encontremos algum
dia.
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